Analise de Riscos em Plataformas de Petróleo

SEGURANÇA E CONDIÇÕES DE TRABALHO NAS
PLATAFORMAS DE PETRÓLEO DA BACIA DE CAMPOS

2 - O Caso da Plataforma Central de Enchova (PCE-1)
Importante frisar desde já que não é intenção chegar a uma quantificação do
risco nas plataformas de petróleo. Isto justificaria, no mínimo, a elaboração de outro artigo. Esta tarefa foi desenvolvida por em seu estudo “sobre um critério de
aceitabilidade de riscos para plataformas marítimas de petróleo”. Ela propõe como risco
máximo aceitável para as unidades (plataformas) em uso, o valor de (1/10000)/ano óbito
de 1 trabalhador a cada 10000 expostos por ano), e de (1/100000)/ano para as novas unidades. Tomando por base estes valores, concluem que o quadrovigente é extremamente preocupante. Em análise recente dos acidentes de trabalho nas
plataformas da Bacia de Campos, divulgada sob a forma de relatório preliminar, chegam a uma estimativa de risco de (6,3/10000)/ano, isto é, uma taxa 6,3 vezes maior que aquela aceitável para plataformas em uso. Isto excluindo-se os acidentes fatais ligados às atividades de mergulho e de transporte, que, se incluídos, elevariam esta taxa para (1,88/1000)/ano, ou seja, 18,8 vezes maior que a aceitabilidade técnica proposta. Sabemos, no entanto, que estes valores devem ser relativizados em função das próprias limitações de tal conhecimento, ressalva feita pela própria autora na conclusão da referida tese. Um dos casos mais críticos é justamente o da Plataforma Central de Enchova (PCE-1), onde ocorreram os dois maiores acidentes da Bacia de Campos. O primeiro em 1984, no qual vieram a falecer 37 trabalhadores, vítimas da queda de uma das “baleeiras” no mar durante o abandono da plataforma. O segundo ocorreu em 1988, felizmente sem vítimas fatais. Provocou a destruição total do convés e da torre, deixando em seu rastro perdas no valor de pelo menos 500 milhões de dólares, segundo dados oficiais divulgados pela própria direção da empresa. Ambos foram motivados por “blow outs” (explosões que podem ocorrer no interior dos poços), porém de acordo com relatórios apresentados após o segundo acidente pelo Sindipetro e pelo Sindicato dos Engenheiros do RJ, em alguns poços teriam havido incidentes sintomáticos precursores do “blow out” fatal. Em que pese a ocorrência de tais eventos antecipatórios a direção de Produção da empresa liberou os poços para completação e a subsequente entrada em operação (SINDIPETRO NF, 1997a).
Diante de tais acontecimentos era de se esperar que com o decorrer dos anos a
PCE-1 se transformasse em unidade exemplar no que concerne à segurança do trabalho, até porque esta instalação desempenha um papel crucial dentro de todo o sistema de produção offshore da Bacia, interligando-se a mais de dez outras plataformas e operando duas das cinco linhas de escoamento da produção de óleo e gás para o continente. os incidentes/acidentes por plataformas na Bacia, entre 18/08/95 e 14/04/97, a PCE-1 aparece em primeiro lugar com o índice de 39%. À título de ilustração fazemos menção a dois destes eventos a seguir. Em 23 de abril de 1996 houve um princípio de incêndio no riser da linha de gás lift, após a falha dos sistemas automáticos de detecção de gases, acarretando a interrupção da produção de óleo e gás por uma hora. Este acidente poderia ter assumido dimensões catastróficas, já que envolvia uma linha de gás altamente pressurizada. Apenas cinco dias se passaram e a mesma plataforma foi palco de novo acidente. O óleo vazou pelo “flare” (queimador de gás situado no alto de uma das torres da plataforma) sendo lançado em combustão no mar. As válvulas projetadas para desarmarem-se automaticamente encontravam-se “by passadas” na ocasião do acidente. Foi necessária a evacuação de todo o pessoal da plataforma para o “flotel” (plataforma destinada exclusivamente à hospedagem dos trabalhadores) . A produção esteve parada durante quatro dias A ocorrência destas anormalidades parece não ter sido suficiente para sensibilizar os responsáveis pela segurança da PCE-1, como evidencia a sucessão de acontecimentos posteriores: uma inspeção do Ministério do Trabalho (MTb) resultou em autuação da Petrobrás, decorrente da constatação de infrações a diversas NR’s; novos acidentes com vazamento de gás verificaram-se ao longo do mesmo ano; a inspeção geral realizada pela própria empresa no final de 1996 verificou que as válvulas de cabeça de poço, integrantes do equipamento central de operação, encontravam-se em “péssimas condições, com alto grau de corrosão...”, concluindo devido a esta e a outras deficiências de ordem operacional - ligadas à manutenção e lay-out de equipamentos importantes, à formação profissional de alguns operadores - que a plataforma não estava “operando em boas condições de segurança”; dois vazamentos de óleo e gás com intervalo de apenas dois dias em janeiro de 1997 em local que já havia apresentado vazamento dois meses antes (SINDIPETRO NF, 1997a ; 1997b). Estes eventos sucessivos atestam o estado de degradação operacional de alguns setores desta unidade, devendo-se salientar que parte das avarias provocadas nos poços afetados pelos dois grandes acidentes da década de oitenta (84 e 88) não foram inteiramente solucionadas. Não por acaso, esta plataforma ficou conhecida entre os trabalhadores como a “rainha da sucata”. Ainda com relação à PCE-1, caberia lembrar que estavam em andamento, até recentemente, as obras de reforma e ampliação desta unidade, acarretando um aumento do risco de acidentes, fruto da execução de inúmeras tarefas com o emprego de soldas elétricas, cortes de maçarico, esmerilhamentos etc, e que implicam em um número maior de trabalhadores de empreiteiras à bordo. Ao todo houve um acréscimo de cerca de trezentos trabalhadores em relação ao seu contingente habitual, obrigando a Petrobrás a lançar mão de uma outra plataforma utilizada exclusivamente para hospedagem, um autêntico “flotel”, vizinho à PCE-1.
A nosso ver, a PCE-1, apresenta um conjunto de características estruturais e
conjunturais que tendem a ampliar e agravar os fatores de risco, como, por exemplo, o
maior estado de envelhecimento de seus equipamentos, cuja deterioração gradual traduz-se em degradação do sistema. Da mesma forma, devemos levar em conta o aumento dos riscos devido às obras de reforma e ampliação. Em primeiro lugar pelas razões que expusemos acima. Em segundo, porque se os aspectos ligados à segurança em geral não são devidamente contemplados nos projetos originais das plataformas, a introdução de modificações não previstas criteriosamente em tais projetos, visando a ampliação da capacidade produtiva das instalações, pode acelerar o desgaste mecânico dos equipamentos. Além disso, há também os problemas relacionados à interação dos novos equipamentos instalados com aqueles mais antigos, gerando uma defasagem da vida útil entre os diferentes componentes do sistema tecnológico, que podem se transformar, ulteriormente, em fontes de constantes incidentes e acidentes. Salientamos ainda que, grosso modo, todo o sistema vem sendo pressionado a cumprir performances de “pico”, com suas unidades operando no limite de seus respectivos tempos de vida útil e capacidades instaladas. Frente a este quadro, julgamos razoável afirmar que Enchova insere-se no rol dos sistemas tecnológicos complexos onde predomina o chamado modo degradado de produção, que tende a potencializar a grande variabilidade inerente a estes sistemas tecnológicos. produção e elevada variabilidade aos poucos vai se constituindo no modo normal de operação do sistema. Sua predominância vai, também paulatinamente, comprometendo a segurança, na medida em que as falhas/anormalidades tidas como “menores” passam a ser consideradas normais, constituindo o que chama de anormalidades normais. São fatores que, muitas vezes, encontram-se na gênese de grandes acidentes.
as anormalidades normais não se limitam às plataforma mais antigas. A P-20 e a P-25
principalmente a P-20. Tida como uma das plataformas de “última geração” foi a
responsável pelo segundo maior índice (14,1%) de incidentes/acidentes registrados na Bacia entre 18/08/95 e 14/04/97 (FREITAS et alii, 1997).


3 - A Redução de Efetivos e a Terceirização de Serviços
Aos fatores apontados até aqui, poderíamos fazer menção a vários outros que vêm
comprometendo a segurança nas plataformas. Em particular, dois merecem destaque: a
redução de efetivos e a terceirização de serviços, especialmente aqueles ligados às tarefas de manutenção. Segundo, não raro, a redução de efetivos na indústria
petroquímica está calcada numa representação equivocada do trabalho real dos operadores, pois parte de uma premissa em que a estabilidade e o bom funcionamento são os aspectos predominantes no curso do processo. Todavia o que as análises ergonômicas demonstram é que tais processos são marcados por um alto grau de variabilidade e de incerteza, sobretudo as unidades antigas, onde a degradação é com freqüência um traço característico. Aliás, o caráter aleatório e imprevisível de alguns eventos é uma característica intrínseca aos sistemas tecnológicos complexos com suas interações não-lineares (aquelas que, em geral, não são previstas nos projetos originais de tais sistemas) (PERROW, 1984). Assim, a representação que se tem da freqüência e do conteúdo das intervenções destes operadores ao longo do processo não corresponde ao trabalho efetivamente realizado por eles. Em virtude desta distorção tem havido um subdimensionamento do número de operadores das equipes em seus respectivos turnos, trazendo conseqüências nefastas para a segurança. No caso da atividade offshore ressalta que o número de operadores embarcados sofreu drástica redução em anos recentes. Ele assinala que entre 1989 e 1992 a redução foi de aproximadamente 30% nas maiores plataformas fixas.
Conforme documento por ele citado, oriundo do Seminário de Tecnologia, Saúde e Meio Ambiente, realizado em maio de 1991 pelo Sindipetro-RJ, a redução de pessoal ia,
inclusive, de encontro ao parecer emitido por engenheiros de várias plataformas, quando
dos cortes efetuados no período 86/87, onde estes afirmavam que o número de funcionários que havia permanecido nas plataformas após os referidos cortes seria a referência para tocálas dentro dos padrões de segurança. A respeito da terceirização de serviços, cabe frisar de início que malgrado este processo esteja em franca disseminação na Bacia de Campos, ele não é um fenômeno novo na indústria do petróleo. Pelo contrário, desde as primeiras décadas deste século engendrou-se em torno das companhias de petróleo uma extensa rede de produtos e serviços oferecidos por terceiros, firmas especializadas que se constituíram para difundir as inovações de seus fundadores. Na verdade, o que se verifica, de uns anos para cá, é um recrudescimento destas terceirizações, inclusive em atividades-fins da Petrobrás. Com esta ampliação tem prevalecido - não genericamente, pois como já ressaltamos este processo não é homogêneo - o padrão vigente em outras indústrias, ou seja, a terceirização enquanto uma estratégia que resulta em precarização do trabalho. Os dados apresentados pela Gerência de Segurança (GESEG) e por algumas empresas que atuam na Bacia de Campos, comprovam que a freqüência de acidentes e mortes é bem superior entre o pessoal contratado em comparação ao pessoal da própria Petrobrás. Em particular, os números divulgados pelo SESMT da empresa Odebrecht Perfurações Ltda (OPL) durante o ano de 96, registram que de um total de 68 plataformistas e auxiliares, 33 foram vítimas de acidentes, sendo 23 com afastamento. Por sinal, este contrato caracterizava-se como uma autêntica subcontratação “em cascata”, pois a empresa que realmente operava as plataformas era a USEM (SINDIPETRO NF, 1997). Neste sentido, concordamos com, quando este enfatiza que a
articulação do papel das empresas subcontratadas à história do petróleo é um tópico de
pesquisa que “merece indiscutivelmente mais atenção”. Para ele os fornecedores de
equipamentos e serviços figuram como um quarto agente - além das multinacionais do
petróleo, dos países produtores e dos consumidores.
A terceirização também tem contribuído para o delineamento de novas configurações no interior do movimento dos trabalhadores.
4 - Conclusão
Com base neste histórico, causa-nos um certo estarrecimento a postura da Gerência
de Segurança da Bacia ao insistir, via de regra, no anacronismo culpabilizante, atribuindoaos trabalhadores (em geral as próprias vítimas) a responsabilidade dos acidentes. Estasanálises causais costumam se limitar aos fatores mais diretos e imediatos, não desvelando amultiplicidade e as inter-relações entre os diversos fatores que propiciam a ocorrência destes eventos. Principalmente os aspectos da organização do trabalho e as práticas gerenciais, até porque, como foi observado na implantação do método da árvore de causas em uma usina atômica francesa, há o receio de dar visibilidade ao papel real da média e alta gerências na gênese dos acidentes, pelas possíveis sanções que possam advir também chama a atenção para este ponto ao mapear a correlação de forças entre a GESEG, o SINDIPETRO NF, e as CIPA’s das plataformas na Bacia de Campos. No que concerne à análise de algumas catástrofes, sugere que se vá ainda mais longe. Para tanto, propõe como ferramenta o que ele veio a denominar de abordagem antropotecnológica.
“Assim, passamos do registro das responsabilidades funcionais dos operadores e
de seus dirigentes ao do pessoal que concebe e instala o dispositivo técnico e, depois, ao registro das responsabilidades dos que determinam as condições econômicas e sociais – ou até políticas - nas quais o dispositivo perigoso foi concebido, instalado e explorado.” Também já há algum tempo a abordagem calcada na psicodinâmica do trabalho chama a atenção para o reducionismo das políticas de segurança tradicionais. Esta abordagem procura sublinhar a importância de se respeitar as regras elaboradas
espontaneamente no seio dos coletivos de trabalho enquanto uma estratégia de preservação da segurança. Poderíamos ainda abordar uma série de aspectos relacionados aos riscos ambientais (intoxicações com gás sulfídrico, emissões radioativas etc), aos riscos inerentes aos meios de transporte utilizados (terrestre, aéreo e marítimo), aos transtornos de ordem mental decorrentes de um tipo de organização do trabalho em que se combinamisolamento/confinamento, trabalho em turnos, longas jornadas (doze horas) etc.